quinta-feira, 4 de março de 2010

A moça do café


Normalmente sou um cara controlado mesmo diante de uma mulher muito bonita. Tudo bem, não sou santo. Dou um jeito de olhar e até de medir, mas sempre com discrição. Não sou do tipo que perde a cabeça e sai dizendo gracinhas. O Paulão diz que elas gostam.

Vai saber. Outro dia, ele bem que levou um tapa na cara. "Tá" certo que foi abusado, mas não era para tanto.

Dia desses, eu voltava do trabalho para casa a pé. Moro perto. Umas dez quadras. Estava quase na metade do caminho quando o tempo fechou. Eu sabia que ia chover e podia ter esperado no escritório, mas o dia fora tão ruim que eu não via a hora de me mandar. Entre a chuva e mais algum aborrecimento, optei pela primeira. Só que veio muita água, muito mais do que eu esperava e precisei me abrigar na primeira porta que encontrei aberta. Era um café agradável. Entrei respingando água e não vi ninguém. Sentei numa mesa encostada à janela e fiquei olhando o temporal. De repente, uma jovem saiu detrás do balcão:

- Boa tarde. Posso ajudar em alguma coisa?

Eu ia dizendo que não, quando me deparei com dois olhos imensos que me observavam: olhos amendoados, castanhos-claros, quase esverdeados. Definitivamente não era um olhar, era um raio. Diante da minha mudez instantânea, a dona dos belos olhos voltou a perguntar:

- Precisa de algo?

Passei a mão nos cabelos molhados tentando me ajeitar e meio titubeante respondi:

- Na verdade entrei para me abrigar da chuva, mas já que estou aqui gostaria de um café.

- Puro, com leite, capuccino?

- Puro, por favor. Se tiver expresso, melhor.

- Alguma coisa para acompanhar o café?

- Não. Só o expresso está ótimo.

- Fique à vontade. Estou acabando de limpar a máquina e tiro o seu café em seguida. Estava fazendo isso quando você chegou. Com o temporal, pensei que ninguém fosse aparecer.

- Não tenho pressa. O mundo está desabando lá fora. Vou ter que esperar de qualquer jeito.

Ela sorriu. Era encantadora. Tinha cabelos longos, lisos e pretos. Eu não conseguia desviar os olhos, mas isso não parecia incomodá-la. Bonita como era, devia estar habituada. Continuou fazendo o seu trabalho com naturalidade, como se eu não estivesse ali. No mais, era alta e magra. Um tipo longilíneo, exceto por um detalhe: sob o vestido solto e de tecido leve, insinuavam-se seios bastante volumosos.

Quando ela curvou-se para servir o café, não resisti. Abaixei os olhos e através do decote generoso contemplei um lindo par de seios completamente nus! Era impensável, mas juro que não havia nada sobre eles. Nenhum sutiã, camiseta, top ou corpete. Nada, absolutamente nada!

Engoli o café sem sentir o gosto. Elogiei e pedi mais um. Eu estava disposto a me intoxicar para ver aqueles seios novamente. E eu vi. Eram grandes, redondos e firmes. Não artificialmente grandes ou rijos, mas naturalmente belos. Quando ela se movimentava eles faziam uma leve ondulação sob a roupa. Não eram estáticos. Estavam vivos e tinham movimento.

Eu precisava ganhar tempo, engatar uma conversa qualquer.

- Você tem cigarro?

- Algum em especial? Não vendo cigarros, mas sempre tenho alguns maços.

- Qualquer um. A chuva ainda está pesada. Posso fumar aqui?

- Fique à vontade. Hoje não tem ninguém para reclamar.

Acendi o cigarro desajeitadamente e vasculhei a mente a procura de um assunto qualquer. Ela era bem jovem e eu não me sentia seguro. Por sorte ainda não tinha me chamado de tio.

- Faz tempo que você trabalha aqui?

- O Café é meu. Bom, na verdade meu e do meu irmão, mas como ele nunca aparece, acho que a dona sou eu.

- Não faz muito tempo que abriram, faz?

- Na verdade, não. Pouco mais de um mês...

- Engraçado. Sempre passo por aqui e até hoje não havia notado.

- Acontece. Antes era um bar muito mal ajeitado. Quase não modificamos a fachada e, acho que por isso, as pessoas custam a reparar.

- Deve ser isso mesmo ou então a pressa. A vida é tão corrida...

Nessa altura eu já havia saído da mesa e estava em pé, encostado no balcão. Meio curvada, apoiada sobre os cotovelos, o decote da moça brincava comigo. Revelava e escondia. Minha imaginação ia longe. Será que não havia mais nada embaixo daquele vestido?

- Bom, se gostou do café, volte outras vezes.

Foi a gota. Eu precisava fazer alguma coisa antes que ela me dispensasse. Sem raciocinar respondi:

- Gostei muito do café e mais ainda da dona.

Ela sorriu gentilmente e acrescentou:

- Os doces também são muito bons.

Doces? E eu lá estava pensando em doces! O que poderia ser mais doce que seu sorriso, seus olhos amendoados ou seus peitos como frutas maduras? Num gesto irrefletido, estendi o braço e toquei suavemente com a ponta do dedo o queixo e depois o colo bronzeado da mulher na minha frente. Ela recuou, mas não pareceu assustada. Fiquei sem jeito. Olhei para a pedra fria de mármore do balcão e perguntei quanto devia. Ela foi rápida:

- Dezoito reais.

- Obrigado. O café estava realmente muito bom.

Sem nenhuma vontade caminhei lentamente até a porta. Dentro de mim uma esperança que ela dissesse alguma coisa. Aquilo não estava certo, não era justo. Maldita civilização! Se vivêssemos na época das cavernas tudo que eu precisaria fazer era arrastá-la pelos cabelos.

Antes de sair, olhei mais uma vez para ela e disse envergonhado:

- Desculpe-me. Não sei o que me deu. Você é bonita demais.

- Não se preocupe.

- Eu não sou assim, de verdade.

- Está tudo bem. A culpa também foi minha. Percebi que você estava olhando e... facilitei, achei divertido.

Saí furioso porta a fora. A menina devia estar morrendo de rir. É claro que ela tinha percebido. Idiota. E até tinha facilitado. Babaca! Não passei mais lá. Mudei meu caminho. Poucas vezes na vida me senti tão humilhado.

Algum tempo depois nos reencontramos pelo bairro. Em vão, fingi estar distraído, mas ela veio decidida na minha direção. Sorriu, conversou normalmente como se nada tivesse acontecido e ainda perguntou por que eu não tinha voltado ao Café. Inventei uma desculpa esfarrapada. Ela me olhou profundamente com seus lindos olhos castanhos-esverdeados e disse:

- É pena. Eu gostei de você. Esse seu jeito meio atrapalhado é bem charmoso. Sempre penso em você, especialmente quando chove. Se você fosse um pouco mais atirado...

Era só o que faltava. Então ela tinha gostado de mim e lamentava que eu não fosse mais atirado? Maldita civilização, malditas mulheres, malditos peitos. O Paulão é que tinha razão. Antes um tapa na cara.

Miriam Assunção



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