quarta-feira, 10 de março de 2010

Déjà vu!


"Sou do tempo em que ainda se faziam visitas"

Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho
porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos,
família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um:
- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e
minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos
num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos
na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de
centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que
era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo
benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães,
bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra
que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café,
na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade
nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina.
Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa,
sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.

Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa..
A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família
toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão...

Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e
ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina
encontros com os amigos fora de casa:
- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem
mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde
perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do
café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre!

José Antônio Oliveira de Resende



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